lunes, 5 de marzo de 2018

José da Costa (1934-2018)




















MORREU O JOSÉ DA COSTA (1934-2018). QUE VIVA O “ZÉ DA BURRA”!

José da Costa (José de Jesus Costa) desde muito jovem tomou a decisão de que não iria trabalhar a terra como o haviam feito seus pais e seus avós. De espírito irrequieto negava-se a levar um dia-a-dia sempre igual ao anterior na dura labuta agrícola de sol-a-sol.
Aos 16 anos já trabalha na Companhia Portuguesa de Pesca, no Olho-de-Boi, como ajudante de caldeireiro e desloca-se diariamente de bicicleta da Charneca de Caparica para Almada. Sai todos os dias meia hora antes de pegar ao trabalho de forma a obrigar-se a si próprio a pedalar forte para não chegar atrasado. E tal nunca aconteceu.

É habitual, na hora do regresso, os seus colegas ficarem a apreciar a forma decidida como sobe o íngreme caminho que liga o Olho-de-Boi à Boca do Vento, perto do Miradouro e do Pátio Prior do Crato. A todos deixa impressionados. A sua apetência pelo ciclismo é notória, tendo começado nessa época a participar em corridas de amadores.

O seu amigo e conterrâneo Pinto Ribeiro, antigo ciclista do Clube Lisgás e do Vitória de Setúbal, com participações na Volta a Portugal, repara nas qualidades que o José da Costa tem para a modalidade e convidou-o a ingressar no clube lisboeta “Os Belenenses”. Decorre o ano de 1958 quando o José da Costa participa pela primeira vez numa prova oficial de ciclismo, o Lisboa - Benavente.

No ano de 1958 faz a sua primeira aparição na Volta a Portugal havendo um jornalista desportivo que no final da mesma refere perante a sua boa classificação: “A quem acompanhou a grande prova não surpreendeu a proeza deste estreante.”

José da Costa que devido a uma “boca” do seu grande amigo, o actor Humberto Madeira, já é popularmente conhecido por “Zé da Burra”, limita-se a declarar na sua proverbial modéstia: “O que eu queria era não desmerecer da confiança que em mim depositaram”

É esta modéstia e a sua forma tranquila de ser, em contraponto com a maneira irrequieta com que anima as competições, que lhe granjeiam muita admiração e simpatia entre os seus colegas e da parte dos jornalistas que acompanham as competições de ciclismo.

Uma saborosa crónica escrita por Baptista-Bastos em 1994, quase quarenta anos depois dos acontecimentos a que se refere, quando o próprio escritor era ainda um “simples” estagiário de jornalismo, dá desse facto conta:

“Contrariando todas as perspectivas, o Zé da Burra chegava sempre. E sempre e sempre, nas metas, entre o vozear inquieto da multidão, a tensão acumulada em quilómetros e quilómetros, os jornalistas esticavam os pescoços, olhavam lá para o fim de tudo, aguardando, aguardando nervosos, quando o Zé da Burra se atrasava. E o Zé da Burra chegava sempre:

“- Cá vem o Zé da Burra!” – gritava, todo contente.

Foi na Gardunha, numa áspera e pedregosa etapa que dizimou um terço do pelotão. O carro-vassoura ia recolhendo os desistentes, o sol incendiava todas as esperanças. Foi na Gardunha. Instalados num plinto, junto da meta, os jornalistas iam anotando os nomes dos que haviam resistido. Um a um, pouco a pouco, eles iam chegando. De Zé da Burra – nada.

“- Que é feito do Zé da Burra?”
“- Porra! Não me digam que o Zé da Burra foi-se abaixo das canetas.”

“Interrogávamo-nos em voz alta, não dissimulando, nenhum de nós, a emoção que o possível abandono do ciclista solitário nos causava. Vítor Santos, Fernando Ávila, Tavares da Silva, Artur Agostinho, e os outros, e eu, o estagiário, entreolhávamo-nos, fumávamos, agitávamo-nos. Os minutos corriam céleres. Uns atrás dos outros, extenuados, movimentos lentos, os sobreviventes iam chegando. Os dirigentes da Volta consultavam os relógios. Faltava quase nada para a meta encerrar. E eis senão quando, lá do fim da estrada, ele apareceu. A cara era um bolo sangrento, as pernas escalavradas, os cotovelos em carne viva. Corria, corria. E um grande silêncio se instalou entre as centenas e centenas de pessoas. Corria, corria, bicicleta toda torcida às costas; corria, corria como se daquela corrida insana dependesse a sua própria vida. E, se calhar, dependia mesmo.”

“Atravessou a meta no trémulo segundo em que a fechavam. Estacou, depois, e olhou para o plinto onde nos encontrávamos. O que lhe restava de cara torceu-se num sorriso espantoso. Colocou o destroço de bicicleta no chão poeirento, abriu os braços, deu um pulo regozijante e gritou para nós, para a multidão, para o mundo:

“- O Zé da Burra chega sempre!””

O José da Costa foi celebrizado não só pela forma atlética como participou na Volta a Portugal de 1958 mas igualmente na solução que encontrou para resolver o problema financeiro do alojamento no final das etapas.

Escrevia-se na época: “O belenense José da Costa, que é o isolado da “Volta” é um rapaz simpático, é também um adepto do campismo. Sempre que pode, fica numa barraca de campanha com os seus acompanhantes, José Nunes, Leonardo Dias e o antigo ciclista Pinto Ribeiro que foi do Lisgás e do Vitória de Setúbal.

O “Zé da Burra” como é conhecido na sua terra – a Charneca de Caparica – gosta muito da vida ao ar livre: -Sinto-me melhor que nos hotéis e pensões. O ar livre é um bom tónico.”

A sua popularidade no pelotão e entre os homens da informação é tamanha que fácil se torna utilizar o modo original da participação do “Zé da Burra” na “Volta” no anedotário que sempre acompanha os grandes acontecimentos desportivos. Na coluna “Revira… Voltas” do Sport Ilustrado, de 19 de Agosto de 1958, vem publicada a seguinte história:

“Omitimos, propositadamente, o nome do ciclista com quem o caso se passou mas garantimos a sua autenticidade. Alguém dizia que o corredor do Belenenses tinha resolvido, da melhor maneira, o seu problema de alojamento com a barraca de campismo. E a propósito afirmou-se: “Ele até tem um colchão de espuma formidável!”. “-De espuma?”, perguntou o tal ciclista. “Sim de espuma. Porquê?”. “Então, ele deve trazer sabão que nunca mais acaba…”.

Na época ciclista do ano de 1959, o José da Costa participa no então célebre “Circuito de Loures”. A sua popularidade já era tanta na Charneca de Caparica que leva consigo a acompanhá-lo quatro camionetas de excursão, com mais de duzentas pessoas.

No início da prova quando passou junto ao aglomerado de pessoas da Charneca os aplausos foram tantos que decidiu agradecer-lhes passando em primeiro lugar na volta seguinte. Contudo, ganhou tanto avanço que nunca mais abandonou o comando da prova, tendo ganho inúmeros prémios pecuniários de passagem e imensas medalhas.

A fotografia em que aparece medalhado, ampliada e emoldurada, esteve exposta durante anos nas tabernas do Zé Caixeiro, do Zé Pedro, do Jorge Carvalho, na barbearia do Ti Rebola e na sede da Casa dos Belenenses, em Almada.

Foi efémera a vida desportiva de José da Costa como ciclista. Praticou a alta competição – Volta a Portugal, Volta a Espanha, Prémio Gazcidla e os mais importantes “criteriuns” nos anos de 1958/1960. A sua aura de grande atleta prolonga-se no tempo, ao ponto de, como referimos, ter sido tema de uma crónica do escritor e jornalista Baptista-Bastos publicada em 1994.

No ano de 1960 realiza-se no Clube Recreativo Charnequense uma festa de homenagem ao “Zé da Burra” organizada pelo seu grande amigo o actor Humberto Madeira que se diz ter sido o “padrinho” da alcunha posta ao José da Costa e que chegou a parodiar com a sua forma tão peculiar uma chegada à meta da Volta a Portugal vestido “à Belenenses” e trazendo escrito no “maillot” o nome de “Zé da Burra”.

Também um abastado construtor civil de Almada, José António Margaça, levou o José da Costa a uma conceituada casa de bicicletas de Lisboa tendo-lhe dado “carta-branca” para que adquirisse a melhor bicicleta que tivessem para venda. Comprou uma “máquina” da marca Martano que pesava somente 9 quilos.

E agora “Zé da Burra” o que fazes tu?

É criador de cães da raça Podengo Português há mais de 30 anos e mantém uma matilha própria de cães de caça “Podengos”, muito considerada pelos mais conhecidos caçadores portugueses e espanhóis, participando anualmente em inúmeros eventos cinegéticos.

José da Costa, o nosso “Zé da Burra” é desde 2015 o patrono do Grande Prémio de Ciclismo Juvenil, da Associação de ciclismo de Setúbal por decisão do anterior Executivo da Junta de Freguesia como homenagem a um homem, nosso conterrâneo, que muito dignificou as provas velocipédicas em Portugal.

Texto de Vítor Reis (c) *

* Historiador, escritor, político (autarca)

Fotos: Arquivo pessoal de José da Costa, Vítor Reis e fotold.com



José da Costa e Alves Barbosa (1959)


NOTA DE AIHEC: José da Costa (de alcunha Zé da Burra) foi um dos mais populares e mediáticos ciclistas do pelotão português dos anos 50/60. Correu em 1957, 58 e 59. Foi um bom ciclista, Vice-Campeão Nacional de Fundo em 1959, atrás de Antonino Baptista, do Sangalhos. Foi seleccionado e correu na Volta à Espanha de 1959. O Funeral parte amanhã pelas 9H30 da Igreja de Vale Figueira para o Cemitério do Feijó (Almada)


Eduardo Lopes (membro da AIHEC) com José da Costa (14 de Março de 2016)


2 comentarios:

  1. Eduardo, ¿qué significa Zé da Burra?.
    Felicidades por el trabajo.

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    1. Hola Javier,
      Zé es el diminutivo de José y burra es el animal (asno), que él tenía. Era alias o apodo (?!).
      Saludos

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