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domingo, 22 de octubre de 2017

A HISTÓRIA DO GRAND CHELEM – PARTE I




Eddy Merckx



Recordes são feitos para serem superados e no ciclismo estamos vendo vários deles sendo quebrados nesta geração. Exemplos? Que tal Valverde no Weekend das Ardennes e Boonen nas clássicas pavés?

Mas há um recorde que está difícil de vermos se repetir: um ciclista vencer o Giro d’Italia, o Tour de France e o Campeonato Mundial na mesma temporada. Apenas dois ciclistas conseguiram tal façanha: o canibal Eddy Merckx em 1974 e o irlandês Stephen Roche em 1987.

Numa série de dois artigos, vamos analisar as particularidades destas conquistas fabulosas, começando aqui com a do belga em 1974.

LE GRAND CHELEM DE MERCKX – o Canibal, em 1974, conquistaria seu 5º Giro, seu 5º Tour e seu 3º Mundial. Ou seja, já era o monstro sagrado, admirado e temido que todos nós conhecemos.

Curiosamente, esta temporada de 1974 foi a única dos seus anos de glória em que o grande Eddy não venceu nenhuma Clássica. E também foi a última em que venceria um Grand Tour.

A falta de vitórias nas Clássicas da primavera foi atribuída a alguns problemas de saúde, incluindo uma forte pneumonia que o tirou de combate durante um mês. Sua forma para iniciar o Giro foi, portanto, abaixo da ideal.

Na Corsa Rosa, o líder da Molteni largava como favorito absoluto, mas logo foi surpreendido por um fortíssimo Jose Manuel Fuente. El Tarangu atacava Merckx de forma implacável e o belga não conseguia acompanha-lo. O espanhol logo assumiu a Maglia Rosa.

Mas se ao final da 11ª etapa o líder da KAS tinha uma confortável liderança de 2’21” sobre o belga, os 40 km contrarrelógio da etapa seguinte evaporaram esta vantagem e Fuente manteve a Maglia Rosa por apenas 18” sobre Eddy, que vencera da etapa.

Tudo indicava que a partir dai o Giro se limitaria a um duelo entre Fuente e Merckx, afinal o jovem Gianbattista Baronchelli vinha em 3º a distantes 2’31 e Felice Gimondi era o 4º a 2’41”.

Mas os 189 km da 14ª etapa, entre Pietra Ligure e San Remo, fizeram a classificação geral balançar de novo. Disposto a abater o escalador espanhol, Eddy lançou um violento ataque quando faltavam mais de 100 km. O tempo era frio e chuvoso, e a etapa foi brutal.

Ao final, um Baronchelli com grandes pernas saiu na fuga vencedora e colocou 2’18” no grupo dos favoritos. O italiano da equipe SCIC subia para o segundo lugar a apenas 35” de Merckx.

E Fuente? O asturiano da KAS teve um dos mais dramáticos “jour sans” da história do ciclismo moderno, tomando 10’19” do vencedor da etapa, caindo fora do Top 10 do Giro.

Eddy acertou ao impor um ritmo infernal e eliminar o rival espanhol, mas não teve pernas para seguir Baronchelli e um novo rival aparecia para assombra-lo.

Apesar de fora do combate direto pela vitória final em Milano, Fuente manteve seu estilo agressivo, atacando toda vez que a estrada subia.

E foi assim que tivemos mais uma mudança de rumo na prova: na 16ª etapa, vencida por Fuente, Felice Gimondi, até então com bom atraso na classificação geral, chegaria em segundo a apenas 31”do espanhol. Baronchelli tomaria 41”.

Eddy viria a ter o seu “jour sans” e manteria a liderança por apenas 33” de vantagem sobre Gimondi e 41” sobre um impressionante Baronchelli.

O Giro seguia nervoso até que tivemos uma 20ª etapa apoteótica, com chegada no mítico Tre Cime di Lavaredo. Fuente venceria sua 5ª etapa na prova, colocando 1’18” em um cada vez mais surpreendente Baronchelli. Merckx e Gimondi chegariam num pequeno grupo a 1’47”.

A Itália vibrava com sua jovem revelação. Francesco Moser era a esperança de sucessão de Gimondi, mas Giambattista roubava a cena e fazia os fanáticos tifosi sonhar.

A Maglia Rosa continuava com o Canibal, mas ainda restava uma etapa de montanha e a dupla Baronchelli-Gimondi vinha ao encalço do belga, com apenas 12” e 33” de retardo respectivamente.

Veio a 21ª etapa, com chegada em Basano del Grapa, e, finalmente, Merckx estampou sua autoridade ao vencê-la no sprint contra seus principais rivais. O Canibal sofreu como nunca e conseguiu vencer seu 5º Giro d’Italia com a exígua diferença acima citada.

TOUR DE FRANCE – naquele tempo, qualquer fragilidade demonstrada por Eddy Merckx era motivo para que mídia e torcedores rivais se inflamassem, prevendo a decadência do maior ciclista de todos os tempos. Prever o fim da hegemonia do belga era quase um esporte paralelo às corridas de bicicletas.

Mas no dia 27 de junho, Eddy iniciaria em Brest a sua vingança pessoal, para vencer a 61º edição do Tour de France de forma acachapante. Nem há muito para se comentar: o Canibal voltaria a ser o Canibal, vencendo 8 etapas, colocando 8’04” de vantagem sobre Raymond Poulidor (GAN) e 8’09” sobre o então campeão espanhol Vicente Lopez-Carril (da KAS).

Mostrando que viera ao Tour para mostrar que não estava acabado, Merckx ficou em segundo nas classificações por Pontos (vencida por Sercu) e da Montanha (vitória de Perurena). Naturalmente, ele venceu com sobras a então Camisa Branca da Classificação Combinada, batendo seu jovem compatriota Michel Pollentier.

O MUNDIAL de Montreal aconteceria no mesmo exigente percurso que viria a ser utilizado nos Jogos Olímpicos de 1976 (medalha de ouro vencida pelo sueco Bernd Johansson). O maior rival do Canibal era o seu compatriota Freddy Maertens, da arquirrival equipe Flandria.

Vale lembrar que os dois belgas haviam protagonizado um espetáculo bizarro no ano anterior, no Mundial de Barcelona. Voltemos então, rapidamente, para 1973: a fuga vencedora continha os três maiores ciclistas de Grand Tours daquela geração (Merckx, Gimondi e Ocaña), Maertens, de 21 anos de idade, aparecia ali como uma espécie de intruso, mas de grande ajuda para o seu líder.

Mas após uma imensa falta de comunicação entre os belgas, Gimondi ficou com a medalha de ouro, batendo o jovem Maertens por apenas uma roda. Ocaña ficou com o bronze e um desapontado Merckx não subiu no pódio.

Acusações se seguiram entre os dois campeões, suas equipes, torcedores, mídia e até no Parlamento falou-se disso. Um programa de TV aconteceu, com o ex-campeão Fred Debruyne entrevistando os dois ciclistas vestindo terno e gravata, sentados lado a lado, numa das cenas mais constrangedoras da história do ciclismo mundial. Por causa deste episódio, a inimizada entre Merckx e Maertens durou mais duas décadas.

De volta ao Mundial de Montreal, em 1974, os franceses vieram com força e dominaram a prova. Bernard Thevenet liderou boa parte da fase decisiva da corrida, abrindo vantagem que chegou a 3’. Atrás, o pelotão ia se desmanchando até que quatro homens se isolaram na perseguição ao francês.

Thevenet fora alcançado na volta final, quando faltavam apenas 7 km para o final, mas a França tinha dois escaladores presentes na última subida do circuito: Raymond Poulidor, sempre ele, e Mariano Martinez. Faziam-lhe companhia Eddy Merckx e o bom italiano Giacinto Santambrogio.

Sabedor do risco de vir para a chegada acompanhado por dois franceses, Eddy atacou faltando 5 km e apenas o já veterano Poulidor pulou na sua roda. O sprint foi uma mera formalidade, com Poupou embalando o belga e não tendo qualquer reação à aceleração de Merckx, que colocou 2” no francês em apenas 200 metros.

E assim o Canibal concluía mais uma sensacional temporada. Ele venceria pela 6ª vez consecutiva o Super Prestige Pernod, o ranking extraoficial de melhor ciclista do ano – em 1975 venceria pela 7ª vez. Merckx também igualava os recordes de vitórias no Giro (com Binda e Coppi), do Tour (com Anquetil) e de Campeão Mundial (com Binda e Van Steenbergen).

Apenas em 1987 o Grand Chelem seria novamente vencido, desta vez pelo irlandês Stephen Roche, mas este será o tema do nosso próximo artigo.

Foto: Miroir du Cyclisme, Dezembro de 1974

Por Fernando Blanco (c)

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